sábado, 24 de setembro de 2011

"EUCLIDES O LIBERTADOR


Zé Rufino era vaqueiro
De um bruto coronel
Um sujeito avarento
Perverso, vil e cruel
Que nem mesmo acreditava
E com desprezo falava
Do Senhor Criador do Céu

Tomava terra dos pobres
Abusava da filha alheia
E se alguém reclamasse
Amarrava e dava peia
Achava-se dono do mundo
Não tinha sangue na veia

Zé Rufino prontamente
Ao patrão obedecia
Executava suas ordens
E tudo pra ele fazia
Chegou até castrar um cara
Só porque olhou pra Clara
Bela feita a luz do dia

Clara sofria por ter
Um pai tão desnorteado
Descrente, feroz desumano
Um cabra amaldiçoado
A bela moça donzela
Dentre muitas a mais bela
Nunca havia namorado

Queixava á sua mãe
Maria da Conceição
Estropiada pelo tempo
Vivendo em lamentação
Sofria tudo calada
Não reclamava de nada
Suportava humilhação

Teve por tanto Maria
Dessa sua união
Quatro filhos sendo que:
Três deles vingaram não
Restando só a moça Clara
Perola linda tão rara
De todo aquele rincão

Dava pena ver a moça
Tão bela e arrumada
Cabelos bem penteados
A todo instante perfumada
Como se esperasse alguém
Sempre dizia: Ele vem
E serei a sua amada

Apareceram pretendentes
Mas dá cancela não passava
O coronel de imediato
Destes logo se livrava
Dava neles boa sova
Faziam cavar sua cova
Ali matando, enterrava

Zé Rufino era disposto
Pau mandado do patrão
Executava o serviço
Sem dó e sem compaixão
Mais de trinta despachado
Por ali mesmo sepultado
Sem velório nem caixão

Era Homem de confiança
Escravizador voraz
Pistoleiro de primeira
Dizia ser o capataz
Que era fiel ao patrão
Medo nenhum tinha não
Mas sim, prazer no que faz

Certo dia Zé Rufino
Pra mostrar habilidade
Com dois revolveres carregados
Resolveu ir pra cidade
Para comprar mantimentos
Com dois pares de jumentos
E sete jagunços de verdade

Entraram todos no boteco
Pipocaram chumbo no teto
Rindo por ser “respeitado”
Achando-se todo correto
Gritou:Eu sou pistoleiro
Sou leal ao fazendeiro
Meu coronel Anacleto

Os freqüentadores calados
Todos pegos de surpresa
Ficaram como estatuas
Com as suas mãos na mesa
E os oito elementos
Atirando até nos ventos
Que sopravam vela acesa

Disseram pro budegueiro:
Ninguém entra e ninguém sai
Se alguém desobedecer
Pro inferno logo vai
Na bala ou na peixeira
No bico da lambedeira
A buchada no chão cai

Feche a porta; ordenou
Tremeu o velho vendeiro
De pronto disse: ta certo
Mas nisso chega um forasteiro
E com o pé não permite
E antes que alguém grite
Ele já disse primeiro:

Boa noite bons amigos
Só quero tomar um trago
Eu venho de muito longe
Há muitos dias que vago
E por favor tenham calma
Só quero “lavar” a alma
E esta rodada eu pago.

Todos de armas em punho
Já iam “coçar” o dedo
Zé Rufino disse Esperem
Vou desvendar o segredo
Quem é você forasteiro
Me diga quem és primeiro
Antes que trema de medo

Por que a deselegância
Se lhes trato com respeito
Sou um cabra respeitador
Medo não mora em meu peito
Sou um Homem educado
Ou achas que é errado
Se me porto deste jeito?

O cabra fala bonito
Guardem as armas companheiros
Vamos lhe dar uma surra
Tratamos bem os “Cavalheiros”
Depois o enforcaremos
Como sempre nós fazemos
Aos malditos forasteiros

Gargalhadas ecoaram
Três já estavam no chão
Estrebuchando, defuntados
Sem tempo pra reação
Mais três foram alvejados
Pros infernos despachados
Sobrando dois na questão

Como um raio, o forasteiro
Só acertava na testa
Seis corpos ali caídos
Dançaram ser ver a festa
Zé Rufino apavorado
Vendo os corpos do seu lado
Além dele, só um resta

Dois revolveres prateados
Vomitaram chumbo quente
Tudo num piscar de olhos
Cinco segundos somente
E o forasteiro disse
A tua maior tolice,
É pensar que tu és gente

Disse pro outro jagunço
Sem perder os dois de mira
Ponha as armas no chão
Se vacilar você vira
Um presunto defumado
Com o cérebro estourado
E eu não sou de mentira

O Cabra achou que teria
A chance de se vingar
Até tentou alveja-lo
Mas uma bala foi encontrar
O meio da sua testa
Neste momento só resta
Zé Rufino se ajoelhar

Onde estão os teus amigos
E atua valentia?
Recebeu um chute na cara
E logo o sangue escorria
Da boca de Zé Rufino
Aquele frio assassino
Os dentes agora perdia

Levou um tiro na mão
Dois dedos lhe arrancou
Teve a orelha decepada
Com forte grito berrou
Ali mesmo foi castrado
Teve um olho vazado
Sem agüentar, desmaiou

O Vendeiro e os fregueses
Como quem aliviados
Agradecendo ao forasteiro
Ainda um tanto atordoados
Com tamanha agilidade
E também a velocidade
Dos disparos acertados

Ele apenas perguntou:
Pode me servir um trago?
Eu estou com muita sede
E devido a esse estrago
Vou repetir o que falei
Quando por aqui cheguei
“Esta rodada eu pago”

Onde fica a fazenda
Do famoso coronel?
Vim lhe fazer uma visita
Me disseram que é cruel
Pois se depender de mim
Sua vida terá o fim
Que teve meu irmão Joel

Foi ele quem mandou castrar
O meu inocente irmão
Só porque um certo dia
Sem a menor intenção
Olhou pra sua filha Clara
Ele morreu, não aguentara
A dor daquela castração

O Budegueiro lhe disse:
Esse que você castrou
Foi quem fez todo o serviço
Que o coronel ordenou
Zé Rufino recobrando
Gemendo no chão, chorando
Ao forasteiro implorou:

Moço peço-lhe perdão
Eu somente obedecia
Pois se não o coronel
Minha vida tiraria
Eu por medo me tornei
E então eu pratiquei
Atos que nunca faria

O forasteiro disse: traga
Três litros de aguardente
Da mais forte que tiver
Misture com álcool quente
Ponha aqui do meu lado
Vou conversar um bocado
Com este cabra valente

O vendeiro assim o fez
Com certa satisfação
Fez o que lhe foi pedido
Sem a menor preocupação
O forasteiro agradeceu
E pelo ferimento escorreu
No local da castração

Zé Rufino urrava alto
E um murro recebia
O álcool quente entrava
Na abertura que havia
E aos poucos penetrando
Dentro do corpo queimando
Que até a alma morria

Em seguida o forasteiro
Um garrafa pegou
Abriu a boca do cabra
E tudo ali despejou
Arrastou ele pra rua
E com simplicidade crua
Fogo no corpo ateou

Ainda se ouviam gritos
Foi o fim de Zé Rufino
Que explodindo por dentro
Teve assim, triste destino
Fogo entrava e saia
A labareda consumia
A vida daquele assassino

Chamem aqui um coveiro
Pra limpar este lugar
Tenho muito por fazer
Não posso me demorar
Me digam a direção
E como faço então
Pra na fazenda chegar

Enquanto isso na fazenda
Dona Maria da Conceição
Mais uma vez apanhava
E era jogada ao chão
Pelos pés era arrastada
Cruelmente judiada
Ainda fazia uma oração:


Santa Virgem me proteja
Me livre deste tormento
Daí-me das mãos do teu Filho
Teu afeto e teu alento
Ampara a minha vida
Minha Santa Mãe querida
Livra-me do sofrimento

Ele batendo lhe dizia:
Esqueça esta tua fé
E esta santa quem é ela,
É dona de um cabaré,
Ou é uma rapariga
Que pegou outra barriga
Sem saber de que pai é?

Mesmo com o sofrimento
Ela sorrindo falou:
Os teus dias de coronel
Um anjo me anunciou
Já estão se esgotando
Vá logo se preparando
Teu inferno já chegou

Nesse exato momento
Já se via um clarão
Com enormes labaredas
Que davam dez metros do chão
Gritou de fora um empregado
É fogo pra todo lado
Venha ligeiro patrão

Mara da Conceição
Sorrindo disse:chegou
Neste momento coronel
Teu desastre começou
È hora de prestar contas
Aos teus irmãozinhos de pontas
Por quem tanto ocê chamou

Gritou raivoso e deu um tapa
Que a mulher desmaiou
Reúnam todos os cabras
Vejam de onde começou
Clara tão apavorada
Chegou e viu desmaiada
No colo a mãe colocou

Vinte e dois Homens ao todo
Juntos com o coronel
Correram apavorados
Pra ver de perto o escarcéu
A terra toda queimando
As chamas se espalhando
Torrando feito papel

Disparos então ouviram
E uma voz se escutou
Maldito coronel Anacleto
A sua hora chegou
Vim libertar este povo
Eu vou repetir de novo:
A escravidão acabou

Isso é uma emboscada
Atirem em que se mexer
Quem é você desgraçado
Apareça pra eu te ver
Calma coronel safado
Estou aqui do seu lado
Chegou teu dia de morrer

Com dois revolveres prateados
Mirados para a cabeça
Ele ouvia a voz dizer:
Quem quer viver desapareça
Pois eu e esse coronel
Temos um acerto fiel
Antes que o dia amanheça

Joguem as armas no chão
Estão livres, vão embora
Acabou a escravidão
Sumam rápido agora
Os cabras se alegraram
Dali logo evaporaram
Dizendo chegou, nossa hora

De repente forte chuva
Aquele fogo apagou
Quem é você afinal
O coronel perguntou
E foi jogado na lama
Feito um porco na cama
Que o destino lameou

Sou apenas um forasteiro
Que veio pra se vingar
E por fim na sua vida
Mas antes de te despachar
Irás sofrer um bocado
Pro inferno serás mandado
Onde agora vais morar

Conheço tuas maldades
Por tudo irás pagar
Hoje findou seu reinado
Ninguém mais vai castigar
Tua mulher e tua filha
Sentirão a maravilha
Pois comigo irão morar

Eu me casarei com Clara
Aqui não vamos ficar
Mas isso será somente
Se ela me aceitar
Eu lhe darei outra vida
De encanto e mais florida
Bem longe deste lugar

Amarrou o Ex-coronel
E lhe ordenou: Levanta
Porco imundo e insano
Filho de jegue com anta
E se tentar se livrar
Minha peixeira vou enfiar
No fundo da tua garganta

Seguiram em direção
A casa grande da fazenda
Entre tapas e empurrões
Que situação horrenda
Anacleto humilhado
Feito um bicho, amarrado
Sem poder fazer contenda

EUCLIDES esse era o nome
Do forasteiro libertador
Já na varanda da casa
Algo lhe causou horror
Pois Maria da Conceição
Vinha em sua direção
Gemendo e sentindo dor

Tava toda arrebentada
Da surra que recebeu
Clara chorando de pena
Os fatos esclareceu
Euclides pediu licença
Pois não faria na presença
O que mandava o ódio seu

Entre raiva e piedade
Clara disse com tristeza
Pai por que tanta maldade
Para que tanta avareza
A mão o fitando falou
O teu final já chegou
Pagarás, tenho certeza

Toda a raiva do Euclides
Triplicava desta vez
Levou o velho pro curral
Veja so o que ele fez
Com uma faca amolada
Calado sem dizer nada
Vazou os olhos do freguês

Cortou as duas orelhas
Decepou-lhe uma mão
Ainda cortou a língua
Castrando o velho então
Num golpe sem piedade
Com extrema habilidade
Lhe espetou no coração

Fez ali uma fogueira
Anacleto agonizava
Como pedindo clemência
Até sua alma sangrava
Consumido pelo fogo
Ali findou o seu jogo
Sua vida se acabava

Dali não saiu de perto
Só quando o fogo acabou
Ele juntando as cinzas
Num frasquinho depositou
E num grito disse: JOEL
Se puder me ouvir do céu
Euclides já te vingou.

Agora eu sei que podes
Em paz, enfim descansar
E com a bela moça Clara
Sei que eu vou me casar
Te juro por este céu
Primeiro filho será Joel
Pra de ti sempre lembrar

Voltando ele encontrou
As duas mulheres abraçadas
De joelhos estavam orando
Como que aliviadas
Ele se aproximou
Dizendo, tudo acabou
Já virou cinzas passadas

Dona Maria Conceição
Escute o que vou dizer
Eu vou cuidar de vocês
E se Clara me aceitar
Jurarei eterno amor
Eu vou cuidar desta flor
Longe daqui vamos casar

Minhas terras são dez vezes
Maior que a de vocês
Vamos embora daqui
Pra esquecer de uma vez
Toda maldade sentida
Toda lembrança sofrida
Que o Anacleto lhes fez

Clara sorrindo lhe disse:
Eu aceito seu pedido
Quero ser tua mulher
E serás o meu marido
Vamo-nos daqui embora
Nesse instante nessa hora
Este lugar será esquecido

Os três ali se abraçaram
E juntos foram embora
Euclides pegou o frasquinho
E resolveu jogar fora
Pois não queria guardar
Pra depois não se lembrar
Da luta em tempos de outrora


Cada gesto nesta vida
Agente estuda com jeito
Recriando em cordel
Lutas de qualquer sujeito
O preço da liberdade
Sufoca a alma da gente

Somos meros seres vivos
Incutindo em nossa mente
Lutas sonhos e alegria
Vitórias no dia-a-dia
Acreditar? Em Deus somente

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